segunda-feira, outubro 30, 2006

Elogio do Belo Monte

Vaca palustre.

Agrada-me isso de vaca palustre...

Ventruda, os olhos fitos na cria lassa:

Eurico, Estela, Jacinto, Amália...

Põe-se a gritar, cravando as patas no charco.


Andam trôpegos, sonambúlicos,

Os corpos imersos no lodaçal.


Onde está nossa mãe?

Cá estou.

Onde está nosso leite?

Cá está.


E tornam-se fortes, trincando os dentes;

Baba viscosa a lhes escorrer.


Tomam os seios da mãe, generosa;

Puxam-lhe as carnes, sugando-lhe a seiva.


Ressequida paira a mãe,

fincada quadrúpede; os filhos correndo em derredor:

Onde está nosso leite?

Cá está. Cá está vossa mãe.


Ressequida, angulosa. Os flancos inertes.

Túrgidos os seios. Os cornos antenas ao alto.


Cá está vossa mãe. Onde estás?

Cá está vosso leite. Vinde tomar.


E vêm prestos, ricos; ferindo-lhe nas mordeduras.


Com o leite que bebeis, que pensais vós?

Não somos de pensares. Somos de beberes.

Mas... com o que recebeis, que pensais vós?

Somos de receberes.


Não vai algo de mim aí junto de vós?

Não lembrais de mim ao vos saciardes?

Ah fortuna atroz.


Cercam a mãe seca de seios inchados.

Cospem-lhe a face. Desferem-lhe escarros.

Pulam ao alto e caem em seu dorso.

Patadas febris afundam-na ao fosso.


Enterra-te. Vai, presença penosa.

Por que não o leite sem tuas lembranças?

Por que tu te grudas em nossa memória?


Vai tu e teu leite. Vai embora, nefanda.


Soltam risos argênteos; mutantes

Saltando em cirandas.


Cá está vosso leite... vinde tomar...

Minha cria amada, onde estás? Cá está vossa mãe.


Vetusta, perene.

Vaca palustre.