segunda-feira, outubro 30, 2006

Este Poema Me Vai

Este poema me vai

com modos de se fazendo,

como quem vai tateando

seu assunto, lento, lento.


Este poema só trata

da coisa que a pele marca;

da coisa que o olho fere

ou que a ele muito afaga;

da coisa que a nosso olfato

nunca nunca desagrada —

ou mesmo que desagrade,

mas que imprima sua estada;

qual a coisa que no lábio

é veludo ou uma faca;

ou que se tocando a língua,

esta seca ou se encharca;

ou de outra, que no ouvido

é sussurro ou estaca.


Este poema só fala

de alguns ramos de açucena

se eles se mostram à frente

ou gravaram-se à memória.


Se neste poema bóia

fina ou grossa arquitetura

de uns engodos só mantidos

com seus fins à formosura,

simulando paraísos

por quem mais viu a tristura,

e esse mesmo paraíso

é mais sonho que verdade —

tal poema muito peca

por querer dar-se em calor

numa pena que é só frio.


Por isso muito se evola

e por isso é muito fraca

a palavra que não trata

do que se imprimiu ao corpo

ou que já marcou-lhe a alma.


Ele trate de algo ausente,

mas que deixe sua presença.

Como um sonho que tão forte

é tão vivo quanto a vida;

um desejo que, tão fundo,

deixa a carne toda à vista,

dando a marca que é da alma

à pele agora ferida —

pele, pêlos, poros, seivas;

vaga e vida entrelaçadas.


Por isso muito se evola

e por isso é muito fraca

a palavra que não trata

do que se imprimiu ao corpo

ou que já marcou-lhe a alma.


Por isso o poema finda.

Por isso o poema acaba.


Neste poema não cabem

a dor e sua fumaça.

Neste poema não cabe

palavra que seja amarga.


Só cabem neste poema

o indizível e seu halo.


E eu me calo.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Sr Nilton Resende,

Desejo obter autorização para publicação da sua poesia A FACA, para um catálogo de facas brasileiras pertencentes ao colecionador Alberto Orsini.
Esta coleção conten as facas brasileiras:Sorocabas, mineiras, nordestinas, franqueiras e gáuchas.
Contem artigos de pesquisadores sobre todos os assuntos

Grato, espero suas notícias

Um abraço

Manuel julio Vera del Carpio
11 - 37215706
de.vera@terra.com.br

8:29 AM  

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